quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Lula melhorou o Brasil; mas, em relação ao futuro, eu tenho medo`



Fonte: REVISTA NORDESTE ECONÔMICO

Pré-candidato assumido à Presidência da República, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ganhou notoriedade não apenas pelos cargos que já ocupou - prefeito de Fortaleza (1988/90); governador do Ceará (1991/94); ministro da Fazenda (1994); ministro da Integração Nacional (2003/06); deputado federal, proporcionalmente, mais votado no país -, mas também por suas declarações muito fortes, que, às vezes, lhe rendem prejuízos eleitorais.

Nesta entrevista exclusiva à Nordeste Econômico, o ex-ministro de Lula não foge ao seu estilo impetuoso. Entre outras coisas, ele afirma que "as contas do país com o estrangeiro estão se deteriorando; dentro de um ou dois anos vai ter problema". Diz, ainda, que "o Bolsa Família é um socorro, mas o que o governo precisa é dar condições de as pessoas saírem da situação de miséria em que se encontram."

Nordeste Econômico: O que é melhor para esta região: um presidente que nasceu no Nordeste e iniciou sua carreira política em São Paulo, ou um Presidente que nasceu em São Paulo e iniciou sua carreira política no Nordeste?

Ciro Gomes: Acredito que o que mais importa não é o local de nascimento do presidente porque ele, como político que assumiu a responsabilidade de cuidar de um país, tem obrigação de cuidar de seu povo, seja seu conterrâneo ou não. Agora o que conta muito é o fato dele conhecer a região, conhecer os problemas de quem vive no Nordeste, se importar com isto, procurar os profissionais especializados, os professores universitários, enfim, cercar-se de todo conhecimento possível para traçar um projeto de desenvolvimento socioeconômico que realmente possa ser cumprido.
Eu fui criado no Ceará, comecei na política em Sobral, há muitos anos percorro as cidades do Nordeste, conheço a inteligência nordestina, as universidades. Tenho uma relação íntima com o povo daqui. Acompanhei de perto muita situação de miséria, fome, pessoas que perderam tudo com a seca. E quero usar esta experiência, esta vivência como nordestino "de coração" para trazer mais dignidade a este povo tão sofrido, trazer uma política industrial para as cidades que têm condições de expandir esse mercado, desenhar um modelo de crescimento ordenado para nossas capitais, enfim, cuidar do Nordeste como ele tem que ser cuidado.

NE: O Bolsa Família tem sido objeto de críticas e de elogios. Em sua opinião, essas políticas de transferência de renda são a redenção ou são um problema para o Nordeste?
CG: O Bolsa Família foi imaginado com uma malha de segurança para a tragédia da fome brasileira e eu acho que, do ponto de vista local, ou seja, de quem cresceu no Nordeste e viu de perto pessoas [vivendo] na miséria, o Bolsa Família está germinando a economia das pequenas comunidades, está abrindo portas para quem não tinha nada e hoje já pode, pelo menos, dar um pouco de comida para seu filho.
O que não podemos é sentar em cima, acomodar-nos com esta situação, porque o país precisa é de mão-de-obra qualificada. O Bolsa Família é um socorro, mas o que o governo tem de fazer é dar condições de as pessoas saírem da situação de miséria em que se encontram.
Temos que investir pesado na educação. Não é possível reverter esse panorama com o país apresentando um nível médio de seis anos de escolarização de baixa qualidade. O cidadão tem direito a uma escola pública que o livre da mensalidade escolar em colégios particulares. Nossos jovens têm que estar preparados para ocupar as vagas de trabalho que são oferecidas.

NE: Há grandes projetos de infraestrutura atualmente em implantação no Nordeste, como a chamada "transposição" do São Francisco, a ferrovia Transnordestina, a duplicação da BR 101, entre outros. Um futuro governo Ciro Gomes daria continuidade a todos eles? Iniciaria alguns outros que estão, presentemente, esquecidos? Se sim, quais?
CG: Não há dúvida que as ações iniciadas pelo presidente Lula serão continuadas e, até, aperfeiçoadas. A transposição do São Francisco, por exemplo, é um projeto que saiu do papel durante minha gestão à frente do Ministério da Integração Nacional. É uma obra fundamental para o semiárido nordestino, que vem carregada de muita desinformação e, eu diria, até mesmo de preconceito. Ao contrário do que muita gente diz, essa obra não causará nenhum dano ambiental ao rio São Francisco. Pouca gente sabe, mas nós vamos captar água na foz do rio e levá-la por canais até o Nordeste Setentrional. Isso vai garantir o abastecimento de água para consumo humano para 12 milhões de pessoas. Eu diria mais: beneficia 12 milhões de pessoas e não prejudica nenhuma.
Esse projeto vale por toda uma vida pública. Quem diz que a transposição vai prejudicar o rio não sabe o que está dizendo. O São Francisco tem 3,7 mil quilômetros de calha principal.
Nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e deságua no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe. Na cheia, ele tem uma vazão de 11 mil metros cúbicos por segundo e, na seca, de 400 metros cúbicos por segundo. Só que, quando o rio chega a [o reservatório de Sobradinho, ele passa a ser um rio artificial. Por quê? Porque, dali para frente, a vazão é controlada pela usina [hidrelétrica] de Sobradinho. E a vazão mínima garantida para o bom funcionamento das turbinas é de 1,3 mil metros cúbicos por segundo. Ou seja, sempre passará mais água de Sobradinho para baixo do que a natureza garante antes de Sobradinho. E é justamente abaixo de Sobradinho que será captada a água que utilizaremos na transposição. Há tanta polêmica sobre isso que ninguém presta atenção num dado: as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo têm abastecimento d'água graças a sistemas de transposição. A água do Sistema Guandu, no Rio, é retiradado rio Paraíba do Sul. E a água do Sistema Cantareira, em São Paulo, vem por uma transposição do rio Piracicaba.

NE: Nas duas eleições presidenciais de que participou, o senhor estava na oposição. Na de outubro próximo, deverá defender o governo Lula, do qual foi ministro e ainda é integrante da base de apoio. É mais fácil fazer campanha criticando ou elogiando?
CG: Eu sou um militante, não é questão de criticar ou elogiar. Eu acredito que ao invés de fazer uma campanha de futrica, os candidatos devem ajudar o povo a entender pedagogicamente os problemas e as possíveis soluções para o Brasil. Só assim as pessoas voltarão a acreditar na linguagem política.
Não sou entusiasta do governo Lula pelo carinho que tenho pelo presidente, que é imenso, mas sim porque o Brasil melhorou com ele. Agora, melhorou se olharmos pelo retrovisor, compararmos com o passado, mas se você olhar para o futuro do Brasil, eu tenho medo.
Olhe para as coisas estratégicas. As contas do país com o estrangeiro estão se deteriorando, dentro de um ou dois anos vai ter problema; o Brasil está perdendo espaço no mundo, em matéria de qualidade dos produtos que vende, os manufaturados. E a conta que o país tem que pagar para fora não dá para ser paga vendendo soja e minério de ferro in natura. A China está crescendo um Brasil siderúrgico por ano, daqui a pouco deixa de comprar de nós e passa a vender para o mundo inteiro. Já fomos a sexta nação em tecnologia aeroespacial, hoje estamos em 27º lugar no ranking mundial. Perdemos para a Coréia do Norte. Se uma criança tiver o azar de nascer num morro do Rio de Janeiro e for negra e homem, vai morrer antes dos 23 anos de idade. Quer dizer, o Brasil do governo Lula está melhorando se olharmos para trás, mas se compararmos nossa realidade com a de outros países no nosso nível, a coisa não é bem assim.
Estou falando que está tudo melhorando, mas que é uma ocasião pra gente debater, convocar o país. Eu não sou o dono da verdade, mas a hora de debater os assuntos e ajudar o povo a entender o que está acontecendo é na eleição geral.

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